segunda-feira, 31 de maio de 2010

CONHECIMENTO E COSMOVISÃO


Pode-se definir “cosmovisão” como a filosofia do indivíduo, a forma como ele interpreta os fenômenos da existência, a sua leitura pessoal do mundo. Essa visão de mundo está diretamente associada ao caráter e é um dos fatores determinantes da conduta exterior. Os seus elementos formadores sucedem-se ao longo da vida, e são advindos de várias fontes externas, como a cultura, a filosofia e a religião.

O homem é o que pensa. O ser interior é o ser real. A exterioridade é uma realidade relativa, pois pode estar “maquiada” em função de um propósito, escondendo, assim, a verdade acerca do ser. Isto significa que os comportamentos nem sempre correspondem aos sentimentos e às convicções interiores, e em muitos casos são comportamentos de conveniência, e não reflexos da realidade interior. Este é um dos grandes conflitos da humanidade: o paradoxo entre o ser real (o ser interior com sua cosmovisão) e o ser conveniente (o ser exterior, que busca satisfazer às pressões da sociedade).

Este conflito se dá pelo fato do homem se legitimar apenas por meio de suas convicções interiores. Ele encontra-se a si mesmo somente quando se torna coerente com estas convicções. Não há como ser feliz vivendo no paradoxo entre o ser interior e o exterior. O homem trai a si mesmo quando se nega a agir de acordo com sua cosmovisão.

No entanto, isto não significa que ao agir em conformidade com sua cosmovisão, o homem estará, de fato, autenticando sua existência. Se sua cosmovisão estiver errada, sua conduta estará errada, mesmo sendo coerente com aquela. Portanto, a fonte suprema dos erros de comportamento é a concepção interior do que seja a verdade. Se não assumirmos este conceito, cairemos no erro da filosofia existencialista, que associa a idéia da autenticação humana às experiências pessoais baseadas nos conceitos particulares da realidade.

Quando olhamos para a nossa sociedade, percebemos que as pessoas estão cada vez mais confusas em suas definições do que seja a verdade. O relativismo é uma das marcas de nossa época. Talvez, em nenhum outro período da história se teve tantas dúvidas acerca do que é a realidade. Isto se dá pelo fato de se ter abandonado os universais na formação dos paradigmas epistemológicos, isto é, de se ter rejeitado o conceito de verdades absolutas como base para a obtenção do verdadeiro conhecimento. Por isto, as cosmovisões passaram a se formar, cada vez mais, a partir de conceitos fragmentários, e se tornaram, em sua maioria, essencialmente existencialistas.

Na visão do pensador e escritor Francis Schaeffer, o existencialismo é o subproduto do racionalismo humanista. No seu livro “O Deus que Intervém” ele aborda as várias fases do existencialismo, desde sua expressão filosófica em autores como Karl Jaspers (1883-1969), Jean-Paul Sartre (1905-1980), Albert Camus (1912-1960), e Martin Heidegger (1889-1976), até sua manifestação pragmática na cultura em geral. Segundo ele, os veículos de comunicação de massas se encarregaram de difundir essa cultura pelo mundo, até aos dias de hoje.

Chega-se, então, à conclusão de que a mentalidade do homem de hoje reivindica autonomia em relação aos absolutos morais. O homem contemporâneo estabelece sua filosofia de vida sobre estruturas questionáveis e muitas vezes corrompidas, mas que lhe são convenientes. O que o realiza é o que apela aos sentidos, o que o faz se sentir bem. Sua leitura da existência aponta nesta direção: a de que os processos dinâmicos da história devem concorrer para o seu bem-estar nesta vida. E “esta vida” é tudo o que o homem que não conhece a Deus enxerga. Isto é a causa da corrupção em todos os níveis da experiência humana, quer pessoal, quer social. Daí brota os desajustes de conduta, a desagregação familiar, as “orgias” políticas, o “enburrecimento” travestido de arte e toda sorte de desatinos.

Faz-se urgente a adoção de uma nova base para construção das cosmovisões. O bom senso, orientado pelas amargas experiências da sociedade, o declara. Apenas o conhecimento de Deus pode prover esta base, pois este estabelece um rompimento necessário com essa estrutura falida e inaugura novos processos de avaliação da realidade. Quando o homem obtém este conhecimento ele aprende a substituir os seus conceitos pelos de Deus. E não há como ser diferente, uma vez que se vê diante da verdade absoluta do universo, que é a verdade divina. A contemplação do Ser divino, com base em Sua revelação, torna o homem consciente de sua limitação pessoal e da limitação de sua cosmovisão.

O fato de ser Deus um Ser absoluto e absolutamente verdadeiro, cuja vontade é a verdade suprema do universo, que foi revelada de forma objetiva, determina a base sobre a qual se deve formar o mundo interior dos pensamentos: a Sua vontade. O conhecimento de Deus gera esta consciência e a transforma em convicção e em propósito na vida daqueles que se tornam maduros na fé. O homem que conhece a Deus aprende a submeter suas idéias e seus ideais a Ele, e sabe que quanto mais o fizer, maior coerência interior encontrará. Nas palavras de Schaeffer, “à medida que o cristão cresce espiritualmente, ele deve tornar-se um ser humano que, conscientemente, submete o seu mundo de pensamentos, bem como o seu mundo exterior, cada vez mais às normas da Bíblia”.

Essa nova base formativa da cosmovisão pessoal alarga as fronteiras ideológicas do homem. Ele aprende que a realidade é muito maior do que aquilo que está diante dos olhos. A consciência da eternidade passa a ser, em sua vida, uma poderosa força que anima as suas ações e intenções. A certeza de que o sentido de sua existência encontra-se fora dele mesmo, isto é, em Deus, leva-o à decisão de ponderar acerca de cada escolha, de cada ato, de cada experiência, uma vez que ele chegou ao entendimento de que não são as experiências existenciais que autenticam sua vida.

A cosmovisão, transformada pelo conhecimento de Deus, visa a Sua glória, reconhece o valor do ser humano, considera que há sentido na existência, julga os valores da sociedade e exalta os valores do Reino de Deus. Ela deixa de ser autônoma em relação a Deus e torna-se dependente de Sua revelação. Assim, o homem passa a pensar em consonância com a vontade de Deus e absorve os Seus valores como sendo os seus próprios. E daí não pode brotar outra coisa que não a reestruturação da personalidade e, conseqüentemente, da coletividade, à qual chamamos de sociedade.

MAIS LIVROS... MAIS QUALIDADE DE PENSAMENTO...


Às vezes os gestos mais simples, mais prosaicos, escondem as mais elevadas manifestações do espírito. É o que acontece quando alguém tira um livro da estante, limpa-lhe a poeira e se senta confortavelmente em algum canto da casa. O ato em si é prosaico, mas as motivações são poéticas. Há todo um simbolismo por trás dessa ação. Sentar-se para ler um livro é confessar a disposição de alargar as fronteiras interiores, de mergulhar no mundo dos pensamentos. É vestir a armadura e empunhar as armas e o escudo para lutar contra os inimigos essenciais do progresso da personalidade: a preguiça de pensar e a negação da imaginação como força construtiva. É ainda reivindicar o direito de não ser manipulado pelas mentes medíocres que insistem em seu projeto de “emburrecimento das massas” através da “favelização da cultura”.

O clamor dos inimigos do progresso humano é por mais “pão e circo” para o povo (assim ocupado, ele pode ser mais explorado). O clamor dos heróis da dignidade humana é por mais livros. Assim, dizia Castro Alves:

Filhos do séc'lo das luzes!
Filhos da grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro – esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a igualdade voou!...

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros...livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.

Ler é, também, celebrar a comunhão de mentes, isto é, a comunicação em uma de suas mais elevadas manifestações: comunicação que se baseia no diálogo das idéias entre leitor e escritor. Somos seres criados para a comunicação, para vivermos num fluxo constante de transferência de idéias e de ideais. Deste modo, estamos constantemente influenciando e sendo influenciados, sensibilizando e sendo sensibilizados. Não se trata de um processo meramente mecânico, desprovido de “alma”. Pelo contrário, a comunicação é um processo vivo e transformador: é intelecto e é sentimento, é percepção e é pensamento. Não existe absolutamente ninguém que, vivendo no ambiente da normalidade, esteja acima deste processo.

Mas, o que são as idéias? E o que são os ideais? O que é a comunicação? Idéias são construções da alma; reproduções interiores, por meio de associações, do mundo exterior que toca o nosso intelecto através dos sentidos. Ideais são idéias ordenadas de uma forma tal que coloque em relevo certos objetivos a serem atingidos. Esses dois níveis fazem parte da dinâmica do pensamento, e pensamento é consciência e autoconsciência: consciência da realidade que nos cerca, e autoconsciência da realidade que somos. A propósito, a autoconsciência é uma das coisas que nos diferenciam dos animais, pois ao contrário destes, conseguimos discernir nossa interioridade. Cogito ergo sum, “penso, logo existo”, dizia Renè Descartes. Quanto à comunicação, trata-se do tráfego de idéias e de ideais entre seres humanos. Claro que aqui estamos considerando apenas a comunicação consciente, isto é, aquele processo que visa unir as mentes em torno das idéias, fazendo uso dos sentidos e do intelecto.

Acontece que as idéias e os ideais têm o poder de colocar em ação o potencial das pessoas, e esse potencial, posto em atividade, promove a transformação da realidade. Como muitas vezes o potencial humano está subjugado aos desencantos, às angústias e ao comodismo, se faz necessário que algo externo, isto é, fora do indivíduo, intervenha no sentido de evocá-lo e desafiá-lo. Uma mente que se tornou apagada em sua capacidade de transformar-se e de promover transformação precisa do brilho de outra mente para colocá-la, de novo, em perspectiva; precisa de novas idéias que gerem novos ideais. A leitura possibilita isto.

Daí o clamor final deste pequeno artigo: Mais livros... Mais leitura... Mais autonomia de pensamento... Mais qualidade de pensamento...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

SE EU FOSSE ATEU


Se eu fosse ateu, não me vangloriaria disto,
Não contaria vantagens,
Não hastearia uma bandeira:
Como quem entende que a ausência de Alguém maior que eu promove a maior de todas as solidões.

Se eu fosse ateu, não riria muito,
Não pensaria muito no futuro,
Não acreditaria mais em absolutos:
Como quem entende que tudo é sem propósito e caminha para o nada.

Se eu fosse ateu, teria cuidado ao contemplar o mar,
Teria cuidado ao contemplar o céu,
Por evocarem a idéia de infinitude:
Como que entende que o grito da alma por continuidade é a porta de entrada para o desespero.

Se eu fosse ateu, me confundiria quando sentisse,
Me confundiria quando amasse,
Ficaria perplexo ante as palpitações do coração:
Como quem entende que aquilo que é intangível não é suficientemente explicado pela mecânica fria da máquina orgânica.

Se eu fosse ateu, daria mais valor à arte de duvidar,
Duvidaria mais das minhas certezas,
Questionaria mais as minhas afirmações:
Como quem entende que alguém destinado ao nada, cerceado pelo absurdo da falta de sentido, não tem uma base adequada para fundar suas certezas.