segunda-feira, 31 de maio de 2010

CONHECIMENTO E COSMOVISÃO


Pode-se definir “cosmovisão” como a filosofia do indivíduo, a forma como ele interpreta os fenômenos da existência, a sua leitura pessoal do mundo. Essa visão de mundo está diretamente associada ao caráter e é um dos fatores determinantes da conduta exterior. Os seus elementos formadores sucedem-se ao longo da vida, e são advindos de várias fontes externas, como a cultura, a filosofia e a religião.

O homem é o que pensa. O ser interior é o ser real. A exterioridade é uma realidade relativa, pois pode estar “maquiada” em função de um propósito, escondendo, assim, a verdade acerca do ser. Isto significa que os comportamentos nem sempre correspondem aos sentimentos e às convicções interiores, e em muitos casos são comportamentos de conveniência, e não reflexos da realidade interior. Este é um dos grandes conflitos da humanidade: o paradoxo entre o ser real (o ser interior com sua cosmovisão) e o ser conveniente (o ser exterior, que busca satisfazer às pressões da sociedade).

Este conflito se dá pelo fato do homem se legitimar apenas por meio de suas convicções interiores. Ele encontra-se a si mesmo somente quando se torna coerente com estas convicções. Não há como ser feliz vivendo no paradoxo entre o ser interior e o exterior. O homem trai a si mesmo quando se nega a agir de acordo com sua cosmovisão.

No entanto, isto não significa que ao agir em conformidade com sua cosmovisão, o homem estará, de fato, autenticando sua existência. Se sua cosmovisão estiver errada, sua conduta estará errada, mesmo sendo coerente com aquela. Portanto, a fonte suprema dos erros de comportamento é a concepção interior do que seja a verdade. Se não assumirmos este conceito, cairemos no erro da filosofia existencialista, que associa a idéia da autenticação humana às experiências pessoais baseadas nos conceitos particulares da realidade.

Quando olhamos para a nossa sociedade, percebemos que as pessoas estão cada vez mais confusas em suas definições do que seja a verdade. O relativismo é uma das marcas de nossa época. Talvez, em nenhum outro período da história se teve tantas dúvidas acerca do que é a realidade. Isto se dá pelo fato de se ter abandonado os universais na formação dos paradigmas epistemológicos, isto é, de se ter rejeitado o conceito de verdades absolutas como base para a obtenção do verdadeiro conhecimento. Por isto, as cosmovisões passaram a se formar, cada vez mais, a partir de conceitos fragmentários, e se tornaram, em sua maioria, essencialmente existencialistas.

Na visão do pensador e escritor Francis Schaeffer, o existencialismo é o subproduto do racionalismo humanista. No seu livro “O Deus que Intervém” ele aborda as várias fases do existencialismo, desde sua expressão filosófica em autores como Karl Jaspers (1883-1969), Jean-Paul Sartre (1905-1980), Albert Camus (1912-1960), e Martin Heidegger (1889-1976), até sua manifestação pragmática na cultura em geral. Segundo ele, os veículos de comunicação de massas se encarregaram de difundir essa cultura pelo mundo, até aos dias de hoje.

Chega-se, então, à conclusão de que a mentalidade do homem de hoje reivindica autonomia em relação aos absolutos morais. O homem contemporâneo estabelece sua filosofia de vida sobre estruturas questionáveis e muitas vezes corrompidas, mas que lhe são convenientes. O que o realiza é o que apela aos sentidos, o que o faz se sentir bem. Sua leitura da existência aponta nesta direção: a de que os processos dinâmicos da história devem concorrer para o seu bem-estar nesta vida. E “esta vida” é tudo o que o homem que não conhece a Deus enxerga. Isto é a causa da corrupção em todos os níveis da experiência humana, quer pessoal, quer social. Daí brota os desajustes de conduta, a desagregação familiar, as “orgias” políticas, o “enburrecimento” travestido de arte e toda sorte de desatinos.

Faz-se urgente a adoção de uma nova base para construção das cosmovisões. O bom senso, orientado pelas amargas experiências da sociedade, o declara. Apenas o conhecimento de Deus pode prover esta base, pois este estabelece um rompimento necessário com essa estrutura falida e inaugura novos processos de avaliação da realidade. Quando o homem obtém este conhecimento ele aprende a substituir os seus conceitos pelos de Deus. E não há como ser diferente, uma vez que se vê diante da verdade absoluta do universo, que é a verdade divina. A contemplação do Ser divino, com base em Sua revelação, torna o homem consciente de sua limitação pessoal e da limitação de sua cosmovisão.

O fato de ser Deus um Ser absoluto e absolutamente verdadeiro, cuja vontade é a verdade suprema do universo, que foi revelada de forma objetiva, determina a base sobre a qual se deve formar o mundo interior dos pensamentos: a Sua vontade. O conhecimento de Deus gera esta consciência e a transforma em convicção e em propósito na vida daqueles que se tornam maduros na fé. O homem que conhece a Deus aprende a submeter suas idéias e seus ideais a Ele, e sabe que quanto mais o fizer, maior coerência interior encontrará. Nas palavras de Schaeffer, “à medida que o cristão cresce espiritualmente, ele deve tornar-se um ser humano que, conscientemente, submete o seu mundo de pensamentos, bem como o seu mundo exterior, cada vez mais às normas da Bíblia”.

Essa nova base formativa da cosmovisão pessoal alarga as fronteiras ideológicas do homem. Ele aprende que a realidade é muito maior do que aquilo que está diante dos olhos. A consciência da eternidade passa a ser, em sua vida, uma poderosa força que anima as suas ações e intenções. A certeza de que o sentido de sua existência encontra-se fora dele mesmo, isto é, em Deus, leva-o à decisão de ponderar acerca de cada escolha, de cada ato, de cada experiência, uma vez que ele chegou ao entendimento de que não são as experiências existenciais que autenticam sua vida.

A cosmovisão, transformada pelo conhecimento de Deus, visa a Sua glória, reconhece o valor do ser humano, considera que há sentido na existência, julga os valores da sociedade e exalta os valores do Reino de Deus. Ela deixa de ser autônoma em relação a Deus e torna-se dependente de Sua revelação. Assim, o homem passa a pensar em consonância com a vontade de Deus e absorve os Seus valores como sendo os seus próprios. E daí não pode brotar outra coisa que não a reestruturação da personalidade e, conseqüentemente, da coletividade, à qual chamamos de sociedade.

MAIS LIVROS... MAIS QUALIDADE DE PENSAMENTO...


Às vezes os gestos mais simples, mais prosaicos, escondem as mais elevadas manifestações do espírito. É o que acontece quando alguém tira um livro da estante, limpa-lhe a poeira e se senta confortavelmente em algum canto da casa. O ato em si é prosaico, mas as motivações são poéticas. Há todo um simbolismo por trás dessa ação. Sentar-se para ler um livro é confessar a disposição de alargar as fronteiras interiores, de mergulhar no mundo dos pensamentos. É vestir a armadura e empunhar as armas e o escudo para lutar contra os inimigos essenciais do progresso da personalidade: a preguiça de pensar e a negação da imaginação como força construtiva. É ainda reivindicar o direito de não ser manipulado pelas mentes medíocres que insistem em seu projeto de “emburrecimento das massas” através da “favelização da cultura”.

O clamor dos inimigos do progresso humano é por mais “pão e circo” para o povo (assim ocupado, ele pode ser mais explorado). O clamor dos heróis da dignidade humana é por mais livros. Assim, dizia Castro Alves:

Filhos do séc'lo das luzes!
Filhos da grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro – esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a igualdade voou!...

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros...livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.

Ler é, também, celebrar a comunhão de mentes, isto é, a comunicação em uma de suas mais elevadas manifestações: comunicação que se baseia no diálogo das idéias entre leitor e escritor. Somos seres criados para a comunicação, para vivermos num fluxo constante de transferência de idéias e de ideais. Deste modo, estamos constantemente influenciando e sendo influenciados, sensibilizando e sendo sensibilizados. Não se trata de um processo meramente mecânico, desprovido de “alma”. Pelo contrário, a comunicação é um processo vivo e transformador: é intelecto e é sentimento, é percepção e é pensamento. Não existe absolutamente ninguém que, vivendo no ambiente da normalidade, esteja acima deste processo.

Mas, o que são as idéias? E o que são os ideais? O que é a comunicação? Idéias são construções da alma; reproduções interiores, por meio de associações, do mundo exterior que toca o nosso intelecto através dos sentidos. Ideais são idéias ordenadas de uma forma tal que coloque em relevo certos objetivos a serem atingidos. Esses dois níveis fazem parte da dinâmica do pensamento, e pensamento é consciência e autoconsciência: consciência da realidade que nos cerca, e autoconsciência da realidade que somos. A propósito, a autoconsciência é uma das coisas que nos diferenciam dos animais, pois ao contrário destes, conseguimos discernir nossa interioridade. Cogito ergo sum, “penso, logo existo”, dizia Renè Descartes. Quanto à comunicação, trata-se do tráfego de idéias e de ideais entre seres humanos. Claro que aqui estamos considerando apenas a comunicação consciente, isto é, aquele processo que visa unir as mentes em torno das idéias, fazendo uso dos sentidos e do intelecto.

Acontece que as idéias e os ideais têm o poder de colocar em ação o potencial das pessoas, e esse potencial, posto em atividade, promove a transformação da realidade. Como muitas vezes o potencial humano está subjugado aos desencantos, às angústias e ao comodismo, se faz necessário que algo externo, isto é, fora do indivíduo, intervenha no sentido de evocá-lo e desafiá-lo. Uma mente que se tornou apagada em sua capacidade de transformar-se e de promover transformação precisa do brilho de outra mente para colocá-la, de novo, em perspectiva; precisa de novas idéias que gerem novos ideais. A leitura possibilita isto.

Daí o clamor final deste pequeno artigo: Mais livros... Mais leitura... Mais autonomia de pensamento... Mais qualidade de pensamento...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

SE EU FOSSE ATEU


Se eu fosse ateu, não me vangloriaria disto,
Não contaria vantagens,
Não hastearia uma bandeira:
Como quem entende que a ausência de Alguém maior que eu promove a maior de todas as solidões.

Se eu fosse ateu, não riria muito,
Não pensaria muito no futuro,
Não acreditaria mais em absolutos:
Como quem entende que tudo é sem propósito e caminha para o nada.

Se eu fosse ateu, teria cuidado ao contemplar o mar,
Teria cuidado ao contemplar o céu,
Por evocarem a idéia de infinitude:
Como que entende que o grito da alma por continuidade é a porta de entrada para o desespero.

Se eu fosse ateu, me confundiria quando sentisse,
Me confundiria quando amasse,
Ficaria perplexo ante as palpitações do coração:
Como quem entende que aquilo que é intangível não é suficientemente explicado pela mecânica fria da máquina orgânica.

Se eu fosse ateu, daria mais valor à arte de duvidar,
Duvidaria mais das minhas certezas,
Questionaria mais as minhas afirmações:
Como quem entende que alguém destinado ao nada, cerceado pelo absurdo da falta de sentido, não tem uma base adequada para fundar suas certezas.

terça-feira, 27 de abril de 2010

SILÊNCIO


Silêncio: lugar de encontro.
Silêncio: recinto sagrado.
Silêncio: abertura para o outro.
Silêncio: ironia do ser.

Eu, um ser entre muitos,
Voz abafada pela turba,
Consciência diminuída pelos sons externos,
Necessidade desesperada de “auto-encontro”.
Encontro no silêncio
O caminho para mim,
Para o “eu” desnudado,
Silenciado pelo impulso de interagir.

Eu, um ser para O Ser,
Existência voltada para o Alto,
Consciência expandida pelos sons inaudíveis,
Resistência declarada às vozes do desencontro.
Encontro no silêncio
O Caminho para Deus,
Para o templo sagrado,
Trancado para os reféns dos sentidos.

Eu, um ser para o tempo,
Vida forjada na história,
Alma gregária, avessa aos desencontros,
Parte que falta às partes no mundo.
Encontro no silêncio
O caminho para o outro,
Para o ente que me completa,
Afastado pelos ventos dos tumultos.

Mas o silêncio nem sempre é mudo,
Nem surda a alma que silencia;
Às vezes, aquele repercute mais alto
Que as mais altas tormentas,
Fazendo com que esta busque,
Desesperadamente, os sons externos,
Porque teme, descontroladamente,
Ouvir-se a si mesma, no silêncio.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

JESUS E AS ANGÚSTIAS HUMANAS


O texto de Marcos 5:21-43 me toca profundamente. Ele expressa, de modo poderoso, o drama do coração humano em condições de existência absolutamente desfavoráveis. Marcos consegue descrever o cenário de forma a colocar em realce as angústias dos personagens principais da história. De um lado, um homem importante, da alta sociedade judaica. Do outro, uma mulher empobrecida por uma doença que não apenas lhe consumiu o dinheiro, mas também a dignidade e a auto-estima. Pessoas separadas por suas condições sociais, mas unidas por suas tragédias pessoais e familiares. Jairo é um pai desesperado, que vê a vida de sua filha, pré-adolescente, minguar-se inexoravelmente. A mulher é uma anônima (apenas mais uma dentre as milhares de mulheres inseridas em uma sociedade machista e discriminatória) que vê escorrer, ao longo de doze anos, não apenas o seu sangue, mas também as suas esperanças, o seu equilíbrio interior, a sua motivação e a coragem de se colocar no mesmo nível de significação existencial das outras pessoas.

Há outros pontos em comum que ligam as personagens da história. A mulher começara a sofrer ao tempo em que a menina (filha de Jairo) nascera. Ambas eram mulheres, e como tal, pouco valorizadas. E ambas foram acometidas por males que não cederam, mesmo diante de todos os esforços empreendidos.

É nessa condição que tanto Jairo quanto a mulher procuram a Jesus. Este está cercado por uma multidão, que naturalmente se constitui num obstáculo para aqueles. Os sentimentos são contrastantes, assim como repleta de contrastes é a própria existência. A multidão celebra a presença de Jesus; Jairo e a mulher sentem o isolamento da alma. A multidão não tem pressa; Jairo não tem um minuto a perder, pois a morte galopa velozmente em direção à sua casa. A multidão está confiante; a mulher hemorrágica tenta passar despercebida, pelo medo de represálias que poderiam aumentar ainda mais o seu conflito. Marcos conta as histórias desses dois personagens de forma entrelaçada. Ele começa a história de Jairo, pára no meio, começa a da mulher hemorrágica e a conta por completo, só então retoma a de Jairo e a completa. Este é um recurso narrativo que visa realçar aspectos comuns entre as histórias, para colocar em relevo o modo como Jesus trata as questões humanas. Sobre este ponto, convém dizer que, em praticamente nenhuma das narrativas bíblicas de encontros entre gente necessitada e Jesus, houve recusa da parte deste com relação a essas pessoas. Jesus era acessível a quem o buscava de coração, a quem o reconhecia como a única esperança.

Chega Jairo diante dele, se ajoelha - seu desespero é maior que seu orgulho, sua filha mais importante que seu status. Jesus o vê, o ouve, o atende. Inicia-se a marcha rumo à sua casa: lenta, penosa, truncada pelo excesso de gente que se espreme nas vielas apertadas daquela cidade. Chega a mulher por trás dele, apagada, medrosa, procurando não ser percebida - não era “ninguém”, não se sentia ninguém. Se espreme na multidão, se expõe ao desconforto dos esbarrões, do calor intenso - maior desconforto tinha a sua alma, nada seria caro demais para livrá-la dele. Não quer que Jesus a veja. Quer apenas tocar em seu vestido. Toca-o, se vê curada. Jesus pára. Todos param. A pergunta que se segue parece estranha: “Quem me tocou?” Ninguém entende. Não se pergunta isso num contexto como aquele. Muitos o tocavam. Os discípulos o reprovam. Ele olha em redor. Alguém o tocara com esperança, com fé, com paixão. Há várias formas de se tocar em Jesus. Há apenas uma que Ele reconhece. Não podendo ocultar-se mais, a mulher se denuncia, se ajoelha, temendo e tremendo, conta-lhe tudo. A resposta de Jesus não apenas confirma a restauração do seu corpo, mas também a de sua dignidade. Chama-a de “filha”, manda que vá em paz e fique livre do seu mal, do seu desespero, do abismo de sua alma. Ela já não tem mais porque se esconder, quer ser vista, quer ser ouvida, tem algo a dizer, conheceu a Jesus.

Neste ponto Marcos retoma o caso de Jairo. Um dado novo torna-o ainda mais dramático. Alguém chega com a fatídica notícia: “a menina está morta”. Dizem que “enquanto há vida, há esperança”. Não havia mais vida. Acabara a esperança? Jesus contraria esta lógica: “Não temas, crê somente”, diz Ele. Jesus é a esperança. Chegam na casa, entram no quarto da menina. Seu corpo inerte, lividamente disposto sobre a cama. Olhos angustiados o contemplam. Era apenas uma menina de 12 anos. Crianças de 12 anos não eram revestidas de muito valor na sociedade judaica. Outros níveis de existência eram mais valorizados. Mas Jesus diferenciava-se também neste aspecto. Segura a mão da menina e faz uso, por empréstimo, de uma expressão usada pelas mães quando queriam acordar suas filhinhas: “talita cumi”, cuja melhor tradução, segundo os comentaristas, seria: “cordeirinha, acorda!”. A cordeirinha acordou. Foi abraçada por seus pais. Foi amada por Jesus.

Estas histórias nos dão conta do modo pessoal como Jesus nos trata. Para Ele não somos mais um na multidão. Somos alguém, somos gente. Ele nos vê, se aproxima de nós, deixa-se tocar e nos toca com amor. Nos liberta, nos restaura, nos dá dignidade.

terça-feira, 20 de abril de 2010

OLHOS NOS OLHOS















Pra mim, os olhos comunicam mais que mil palavras. Eles são aquelas frestas no corpo que nos permitem "brechar" as coisas do coração. São os elos de ligação entre o mundo de dentro e o mundo de fora. São os delatores, os "dedos-duros" da alma: a gente discursa, filosofa, ludibria, impressiona - palavras, palavras, palavras - e, de repente, num momento de vacilo, pronto!!! Os olhos nos entregam.

Pare um pouco! Pense! Sinta! Seus olhos são uma extensão do seu interior, do seu verdadeiro "eu". São, ao mesmo tempo, físicos e metafísicos. Aquilo que você é, ou está sendo, está impresso neles. Regra geral: É assim em todos.

Olhos são órgãos do corpo. Olhos são órgãos da alma. E é nesta segunda proposição que está a essência da comunicação do nosso "eu" para o "eu" dos outros, pois também os olhos dos outros são extensão de suas almas. Olhos nos olhos: almas que se perscrutam mutuamente, que se mostram mutuamente, que, num átimo de tempo, se dão a conhecer. Quando olho nos olhos faço leituras precisas, ao passo que sou, também, lido. Quando olho nos olhos quase não ouço mais as palavras: elas se tornam desnecessárias. É por isso que o mentiroso desvia o olhar: olha pra cima, olha pra baixo, pros lados; não olha pra frente, não olha nos olhos. E, se por acaso, por ser um bom ator (os gregos chamavam os atores de "hipocrites"), olha nos olhos, não o faz sem grandes prejuízos para sua alma, pois fere a ordem natural, violentando-a terrivelmente através de tal processo e despersonificação.

Os que se amam, olham nos olhos. Os que são sinceros, olham nos olhos. Os que amam, olham nos olhos. Os que se colocaram acima da mediocridade, olham nos olhos. Os demais, desviam o olhar.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A ALMA DO POETA

A contemplação é uma das mais belas atividades da alma. É ato que envolve o perceber e o sentir, o ver e o suspirar, o ponderar e o extasiar-se. No contemplar encontra-se o nascedouro do discurso do poeta, este ser que absorve a força estética das formas, dos sons, dos cheiros e dos movimentos com a mesma intensidade com que os infantes lábios sugam o tépido líquido da vida; que sintetiza, em si mesmo, a multidão dos sentimentos dispersos de uma humanidade cada vez menos humana, cada vez mais coisificada; que derrama a sua alma nas palavras que emergem do seu enternecido coração e que “catarseiam” os fatos evocados.

Este ser (o poeta) transita pelas vias do sentimento, percorre os caminhos da emoção, e assim fazendo recolhe os fragmentos da realidade, para recontar a mesma realidade com a profundidade que olhos apressados jamais perceberiam.

É diferente o olhar do poeta: é penetrante; é perspicaz; é cortante. Seu olhar reúne, no mesmo ato, todos os sentidos, os quais, como pincéis de diferentes larguras, e como tintas de cores diversas, às vezes leves a alegres, às vezes densas e dramáticas, imprimem em sua alma os mais significativos quadros da vida. O poeta é um artista das imagens interiores. Seus pincéis? As palavras; suas tintas? Os sentimentos; suas telas? Nossas almas. Seus “quadros” reproduzem texturas, formas e cores que não podem ser vistas pelos olhos naturais; os olhos que evocam são os do coração. Por isso, quem se acostumou a viver na superfície da realidade não compreende o poeta.

Por que falas tanto de amor, ó poeta? Por que celebras tanto a beleza? Por que, como um explorador de terras selvagens, penetras no interior dos homens, para descobrir-lhes as razões encobertas e trazeres à luz o que está por trás das ações? Porventura, não é para compensares a tamanha falta de sentimentos dos de tua geração? Porventura, não é para servires de ponto de equilíbrio num mundo tão “frio”, tão apático?

SER E NÃO-SER - REFLEXÕES SOBRE A EXISTÊNCIA DE DEUS


Existir é ser: oposto do nada. O nada, por definição, é ausência absoluta, é o não-ser. Assim, o que não é o nada é existência, independente do nível, independente da forma. O ser integra a realidade, e não “é” fora dela. Então, característica do ser: ser percebido, por si ou por outros.

A percepção do ser por si mesmo ou por outros denota sua existência objetiva. Logo, o não-ser não pode, por definição, ser percebido, e se algo é percebido não é um não-ser, logo existe. Isto não significa que todas as sensações interiores, tidas como percepções, apontam para a realidade. Há de se admitir a conclusão de Descartes de que a percepção dos objetos sensíveis não está livre de enganos, o que significa que o conhecimento empírico (da experiência) em si não nos dá total garantia acerca da realidade. No entanto, isto não inviabiliza a proposição de que a existência do ser é atestada por sua autopercepção ou pela percepção de outros, pois ainda que o julgamento dos dados relativos a um objeto do conhecimento (um ser), dados estes fornecidos pelos sentidos à razão, possa estar equivocado, não se pode duvidar da existência de tal objeto, pois a mesma não está atrelada ao tipo de julgamento que dela se faz. Desta forma, ainda que se julgue mal um ser percebido, não se pode duvidar de que a simples percepção do mesmo confirma a sua existência.

Isso é verdade para todas as categorias de existência. A Bíblia nos fala de duas principais: existência necessária e existência derivada. A existência necessária é a existência “em si e por si”, e pertence exclusivamente ao Ser necessário (Deus). A existência derivada é a existência recebida e não é em “si mesma”, pois depende de outro ser que a origine. É, portanto, a categoria de existência de todos os outros seres que não o Ser necessário. A existência necessária não tem um marco inicial, pois uma vez que não é derivada de outro, e nem pode ter-se originado do nada (pois do nada, nada vem), só pode ser eterna. Por sua vez, a existência derivada ou recebida tem um início, portanto não é eterna, sendo, por isso, limitada.

A Bíblia apresenta Deus como um Ser cuja existência está em Si mesmo, sendo que esta abarca a totalidade do tempo histórico (passado, presente e futuro) e o ultrapassa, pois nessa relação Ser & tempo, o Ser é anterior ao tempo. Isto fica evidente pela resposta de Deus a Moisés, quando este lhe perguntou acerca do Seu nome: “Eu Sou o que Sou” (Êxodo 3:14). Tal afirmação evoca a idéia de independência absoluta e de total autosuficiência, inclusive com relação ao tempo.

Sendo Deus, portanto, um Ser, Sua existência, necessariamente, deve ser percebida. O testemunho bíblico acerca disto nos dá conta de que Deus não apenas tem plena consciência de Si mesmo - autopercepção (cf. o versículo acima mencionado), mas também se torna evidente na mente de suas criaturas. É o que diz Romanos 1:19-21: ”Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis; Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu”.

O fato de que a existência de Deus é percebida por suas criaturas é atestado pela universalidade da idéia da divindade. Apesar de não haver uma unanimidade na definição desta, sabe-se, de forma geral, da existência do Ser Superior, muito embora tal idéia seja, às vezes, diluída na concepção de múltiplas divindades (como no politeísmo), ou na universalização do conceito de Deus (como no panteísmo), mas aqui deve-se considerar o que foi dito acima, ou seja, que apesar da possibilidade de se julgar mal um ser percebido, não se pode duvidar de que a simples percepção do mesmo confirma a sua existência. Assim, não é a forma como se entende este ser, mas a conclusão de que o percebê-lo atesta a sua existência.

Portanto, se tem-se consciência da idéia de Deus, e se esta é corroborada pelos fatos externos, que fazem eco na interioridade, então Deus existe, pois o não existente, o não-ser, o nada não poderia desencadear tal processo, por uma impossibilidade lógica.